As tradições de Gamogu – parte 3
Yakub era pura satisfação, a gargalhada que soltava, do alto de
seu cavalo, curvando a cabeça para trás em delírio, a cada espasmo do corpo de
Jubyla, demonstrava sua concórdia com os motivos do Rei de Zentiegu que levaram
ao julgamento e condenação da velha matriarca. Mas, a exceção de Galdaôgu, os
outros chefes tribais apenas observavam o espetáculo, não deixando claro se
concordavam plenamente com o veredito.
- Bom dia meu bom Rei - disse Jubyla, a velha matriarca, respeitada pelas cinco tribos de Zentiegu, os Forchao, os Chakorante, os Jogaten, os Jagolanos e, especialmente entre a gente da mais importante tribo da cidade, os Gibaloaten, da qual era membro e rival da mesma envergadura simbólica do rei.
- A que devo a honra de presença tão ilustre no salão de
audiências? - Inquiriu Galdaô, não sem demonstrar ironia. O rei e a matriarca
eram primos distantes, como todas na tribo eram de alguma forma, mas, nesse
caso, muito próximos pela importância de suas ancestralidades. Diz a tradição
que Galdaô é descendente de Bosje e Jubyla de Deusra, verdade ou não, a
tradição tinha o peso de crença.
- É com honra e respeito que venho diante de Vossa Majestade
comunicar uma reclamação que é não só da gente de nossa tribo, como também da
maior parte da gente de toda Zentiegu - disse Jubyla, de joelhos, mas não
respeitando a posição de olhos para o chão, a nova honraria estabelecida pelo
pai de Galdaô que entendia que nenhuma criatura viva poderia pretender
igualar-se a um rei, apenas Un.
- Ora, antes de entrar na essência do assunto que me trazes, tomo
como importante lembra-lhe do pecado que para qualquer súdito olhara para seu
suserano sem autorização prévia.
Jubyla continuou fitando seu rei, reconhecendo toda a pompa do salão
de audiência, com todos aqueles delicados e elaborados tapetes pendurados por
toda a parte, com a magnificência do trono, esculpido em mogno, com detalhes em
mármore, bronze e ouro, com todos aqueles anéis dos mais variados metais e
pedras, preciosos e semipreciosos.
- Veja Balgan - disse o Rei, olhando para o chefe dos Forchao,
respeitável como todo chefe tribal, de presença não tão marcante quanto a de
Galdaô, mas diligente, perspicaz e confiável a ponto de ser o lugar-tenente do
Rei. Alguém em quem se poderia confiar o posto mais importante da cidade sem a
preocupação de ter o trono roubado na volta. - Essa é a petulância inaugurada
por alguém chamada Deusra séculos atrás.
- Sim, meu rei! - Respondeu Balgan da forma solene como sempre
respondia aos questionamentos reais.
- Bom, que apliquemos uma lição quanto a isso em momento
posterior, diga a reclamação que tu alegas ser do povo em geral - prosseguiu
Galdaô com tom irritado e visível enfado.
- Meu Rei - continuou Jubyla - é preocupação do povo em geral a
forma com que alguns senhores, especialmente os chefes tribais, reclamam o gado
como seus e, por conseguinte, exigem do povo pagamento pela utilização da força
motriz desses animais.
- Creio que seja hora de demonstrar aos vossos súditos que os tempos
hoje exigem mudanças Vossa Majestade - disse Yakub, com indisfarçado tom de
interesse.
A expressão no rosto do Rei ficou transfigurada, visível a todos
que o questionamento era ainda mais impertinente que a postura da velha
matriarca frente a figura real. - Com que petulância um súdito reclama das
decisões de um senhor? - Levantou-se bruscamente. - Como, agora, as pernas
comandam a cabeça?
- Ainda que a analogia seja descabida - disse Jubyla
imprudentemente - vale lembrar que, também sem as pernas, a cabeça nada é! Só o
que solicito, em nome do povo, é que haja um julgamento a respeito da validade
social do reclamo de propriedade do gado por parte dos chefes, porque o que
percebo é que há um grande prejuízo à nossa sociedade.
- Pois bem! - Disse Galdaô, fazendo um sinal aos guardas que,
prontamente, aproximaram-se da velha matriarca - já que queres um julgamento, o
terás! Guardas, levem-na para a masmorra!
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