Por Samir Faraj
Contorcia-se. Espasmos e mais espasmos. Um vulto negro em meio às
ardentes chamas brilhantes de sua pena. Nada mais era capaz de ver. Nada mais
era capaz de sentir. Jubyla agora se encontrava nos estágios finais do que para
seus juízes era a purga necessária para sua ignóbil insolência.
Quando a força das chamas tornou a carne apenas em pequenos
filetes, esta não foi mais capaz de sustentar os ossos. Tudo desmoronava como
em qualquer fogueira.
Cena grotesca! Repugnantes, o cheiro e o teatro, criaram um
burburinho que logo tornara-se algazarra.
Preocupação na liderança. Os líderes das tribos pareciam inquietos
com o comportamento da multidão que assistia atônito o fim de figura tão
importante. Entreolhavam-se. Miravam especialmente Balgan como que a
incentivá-lo a falar com o soberano.
- Meu suserano – disse Balgan dos Forchao, do alto de seu cavalo,
curvando-se com as rédeas às mãos, em tom de preocupação – algo não parece bem!
- Por certo meu lugar-tenente. Não é toda hora que uma tradição é
transformada em cinzas. Mas o povo é forte e saberá que isso é o melhor –
respondeu o rei, concluindo com uma sonora gargalhada que fez na algazarra
despertar um sentimento de rebeldia.
- Vingança! Queremos vingança! – Gritou alguém no meio da
multidão, logo seguido por outros. Estava claro aos líderes que o teatro do
julgamento, feito às escondidas, e com um veredito que julgavam ser aceito pelo
povo de forma apática, não fora a melhor das opções para a garantia de seus
interesses na aprovação da lei da propriedade.
O julgamento ocorreu no dia seguinte à prisão de Jubyla. Como
dizia a lei criada pelo rei anterior, Gayalo, o juízo sobre qualquer questão só
poderia ser tomado pelo conjunto das tribos, representada por seus chefes, o
réu faria sua própria defesa e um membro de qualquer tribo, tido como sábio,
faria um ponto de equilíbrio entre as partes. Uma adaptação dos antigos
julgamentos, quando as tribos envolvidas em um pleito se reuniam por completo
para decidir, mas sempre tendo como condutora uma matriarca. Agora, era a vez
dos homens, não de todos, mas somente daqueles interessados na mudança da
essência moral.
- Eu, Galdaô de Gibaloaten, rei de Zentiegu, convoco as lideranças
tribais a escolherem o mais sábio entre os sábios para servir de equilíbrio
entre as partes.
- Eu, Balgan, em nome do conselho das tribos, convoco à Gamo para
esta missão. Gamo, vós tendes o direito de nomear um ajudante para o vosso serviço.
- Eu Gamo – disse o sábio, obedecendo a devida reverência, olhando
para o chão, mas, de relance, como que a pedir desculpas com seu olhar, mirou a
pobre Jubyla – humildemente aceito a missão – aceitava, mas não de todo, não
acreditava que o pleito era justo como confidenciara a seu filho Gamogu – e
nomeio meu filho para meu serviço!
Gamogu era diferente de seu pai. Ambos
pertenciam a mesma tribo do rei e de Jubyla, e pareciam ser a repetição menor
dos dois oponentes: o sábio pai era, ao mesmo tempo, defensor das tradições e
das mudanças, fraqueza reconhecida pelos líderes tribais que o obrigaram a
escolher o filho como ajudante no julgamento; o filho, percorrendo o caminho da
sabedoria do pai, não apresentava a mesma fraqueza, já era totalmente inclinado
para a aceitação da nova lei.
- Suserano – disse Gamo ao rei no dia da
prisão de Jubyla quando este o convocara para uma reunião de emergência – não
posso aceitar a missão de servir de equilíbrio neste julgamento!
- E por que não?
- Porque estou inclinado a ver justeza na
causa de Jubyla, pois esta carrega a verdade da tradição e a verdade da melhor
maneira de vivermos em Zentiegu.
- Ora como ousais – interrompeu Galdaôgu –
não tendes o direito de interpor-se aos nossos interesses. Diga-lhe pai, meu
senhor!
- Vós sabeis bens que – disse Galdaô – um
resultado diferente ao de condenação daquela velha insolente é o caminho para a
vossa destituição como sumo sacerdote.
- E, consequentemente – disse uma voz que
vinha de trás do velho sábio – a minha destituição como seu sucessor em um
futuro próximo!
- Gamogu, meu filho! – Disse Gamo, olhando
para trás, surpreso com a presença do filho. Olhou para os chefes tribais,
sentados nas belas cadeiras de madeira, nos patamares inferiores ao do trono
real, e percebeu que tudo estava decidido.
- Para que compreendais bem o que deveis
fazer – disse Balgan – nós recomendamos que, no dia em que solicitado fordes,
saibais dizer o que deve ser dito e vosso filho será vossa escolha para
ajudante.
- Pai – disse Gamogu, agora a seu lado –
faças isso por nosso futuro!
O velho Gamo, sábio, mas indeciso, não foi
capaz de dormir aquela noite. Mas, quando o dia cegou, fez exatamente o que era
dele esperado.
***