As tradições de Gamogu – parte 6
- Traidores! - Exclamou alguém no meio da
multidão.
- Morte aos traidores! - Outra voz, ainda
mais exaltada, conclamava seus pares na praça onde agora Jubyla não existia
mais como pessoa viva, mas como mártir do povo.
- Queremos vingança por nossa amada Jubyla. -
Completou alguém, relembrando os primeiros gritos de "vingança"
daquela tarde. O clamor logo foi atendido. Aqui e acolá, no meio do povo que
enchia a praça naquela tarde triste e cinzenta - pelo tempo e pelo fato -
gritos e mais gritos, cada vez mais fortes, de "vingança" e logo a
chuva, fina e fria, começou a tocar o chão.
- Observeis meu rei - disse Yakub - os
senhores dos céus nos enviam chuva na hora em que mais precisávamos. Galdaô
gargalhou com tanta felicidade que mal percebeu que, mesmo com a chuva, o povo
não abandonou a praça e manteve, cada vez mais firme, seu protesto.
- Meu pai. - Disse Galdaôgu chamando a
atenção do rei para o centro da praça.
A multidão parecia crescer cada vez mais,
aglutinando pessoas que não assistiram à execução da pena da velha matriarca,
mas que, seguindo para outros cantos da cidade que passavam por ali, tomaram
conhecimento, perplexas, do que ocorrera.
- Não há de ser nada meu filho - respondeu o
rei - todo o povo de Zentiegu sabe a necessidade e a importância de respeitar
seus soberanos. Todo o povo sabe que somos escolhidos diretamente por Un. Todo
o povo respeita as tradições e.... - O diálogo da real família foi subitamente
interrompido por um zunido vindo da multidão. Zunido que se transformou em
flecha e atingiu o rei em seu olho direito.
Os dias em sua fria, úmida e minúscula cela,
não contribuíram muito com a cura das feridas do espancamento que Jubyla
sofrera após o primeiro dia de seu inconcluso julgamento. Em todo caso, já era
capaz de ouvir e responder a quem quisesse lhe falar.
"Por que os homens de poder não são
capazes de perceber suas falhas? Por que engrandecem seus pequenos feitos,
diminuem seus erros e mistificam toda acusação que lhes é feita?". A velha
matriarca indagava a si mesma em seus pensamentos quando o ranger das
dobradiças da porta de ferro de sua cela a fez despertar.
- Minha velha prima Jubyla - a velha e
combalida matriarca, deitada no úmido chão de pedra, mal podia enxergar, seus
olhos, ainda inchados, e a escuridão do lugar tornavam a figura que adentrava o
recinto apenas uma sombra, mas a voz era familiar demais para não saber de quem
se tratava - como tendeis passado esses últimos dias? Sei que as dores são
muitas, mas fiz o máximo de meus esforços para que sua estadia aqui seja breve
e pacífica.
- Tenho passado o melhor que posso,
fisicamente o mal vai. Meu bom primo Gamo o mal vai! O mal sempre vai! Não
tenho medo das dores concretas, são as dores abstratas que me afligem.
- Eu vos entendo matriarca, mas precisamos
restabelecer esse julgamento, de forma a tentar agradar a todas as partes!
- Perdoais-me venerável primo, mas não
tenteis comprar minha consciência com paz quando tenho certeza de que minha
causa é justa e necessária. Não há outro caminho para a paz a não ser o
reconhecimento de nossos líderes de que pretender tornar individual bens raros
que deveriam ser coletivos não trará paz a todos.
- Jubyla, não percebeis que o que pretendeis
é guerra? Reconsidereis! Não tenho força para defender vossa posição frente aos
líderes.
A velha matriarca, utilizando suas parcas
forças, pôs-se sentada para tentar parecer o mais forte possível. Parou por um
tempo, tentando observar na sombra do sábio Gamo algo que pudesse despertar a
melhor resposta que poderia dar aquele pedido.
O frio era grande naquela pequena cela, mesmo
vestindo sua pele de urso por sobre sua túnica de tecido duplo de lã, Gamo
sentia o clima. Jubyla com apenas uma pequena peça de linho a cobrir-lhe o
corpo a fim de não expor sua nudez, sentia ainda mais. O pulmão já dava sinais
de que alguma doença se instalara, poderia ser sua morte futura vindo pela
deterioração da saúde. Poderia demorar, ou ser rápida, só Un saberia, em todo,
diante da urgência do velho sábio em visita-la para tentar convencê-la a mudar
sua posição, sabia que mais provável seria sua morte por seus julgadores.
- Então meu bom Gamo, volteis aos nossos
líderes, e dizei-lhes que essa cegueira será posta a mostra de forma certeira
como uma flecha guiada por um bom arqueiro.
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