Godzilla Minus One | Crítica


"Os monstros da ficção são alegorias dos problemas da vida real."

Quando foi criado em 1954, Godzilla não passava de mais um filme do gênero de monstros gigantes aterrorizando uma cidade e sua população.

Entretanto, a obra criada por Ishiro Honda estava muito longe de ser apenas mais um filme entre outros. Por trás do roteiro existia toda uma analogia na qual o lagarto gigante representava as mazelas causadas pelos ataques covardes que ocorreram em Hiroshima e Nagasaki ao final da Segunda Guerra Mundial.

Agora, setenta anos após o lançamento do filme original, o diretor Takashi Yamazaki apresenta uma abordagem totalmente diferente da original. O "Rei dos Monstros" surge não apenas como uma representação da paranoia nuclear, mas também como os traumas causados pela guerra e os medos decorrentes da ameaça de uma bomba atômica a uma população.


A trama de "Godzilla Minus One" se desenvolve no ano de 1947, quando o Japão começa a se reerguer após a destruição em massa que ocorreu não apenas de Hiroshima e Nagasaki, mas no país como um todo.

Assim, Koichi (Ryunosuke Kamiki), Noriko (Minami Hamabe) e a pequena Akiko gradualmente começam a melhorar de vida.

Koichi, agora trabalhando como desativador de minas marinhas, ainda sofre danos psicológicos consideráveis, especialmente ao ser assombrado por lembranças do dia em que se deparou com Godzilla no final do conflito.

Nesse momento, percebemos como Godzilla desempenha o papel alegórico de encarnar os traumas de guerra de Koichi. A situação piora quando o protagonista percebe que peixes de águas profundas estão aparecendo mortos na superfície, indicando que o monstro não apenas retornou, como está muito próximo.


O filme pontua três momentos distintos: os momentos finais da guerra e a utilização das duas bombas atômicas em 1945; 1946 e 1947, quando a trama de fato se desenrola.

Em 1946, ocorreram os testes da "Operação Crossroads", duas detonações realizadas pelos Estados Unidos nas Ilhas Marshall, território que pertencia ao império japonês e que acabou servindo para inúmeros outros testes entre 1946 e 1958.

É nesse contexto que Godzilla reaparece em 1947, maior e mais poderoso do que no primeiro encontro com Koichi.


"Godzilla Minus One" faz diversas referências ao filme original de 1954, sendo todas muito bem utilizadas, seja a Ilha Odo, nas críticas ao governo, ou no uso da ciência de forma responsável, que, para mim, é o ponto principal nos dois filmes.

Em ambas as versões, os cientistas são peças fundamentais para a resolução do problema. É importante lembrar que o surgimento do monstro está ligado à atualização inadequada da ciência e que o uso de armas contra armas não necessariamente trará uma solução.

Assim, apenas a utilização da ciência consciente poderá deter as consequências de uma ciência irresponsável. Aqui não há o arquétipo do cientista louco que o cinema gosta de estigmatizar; eles são homens conscientes e responsáveis.


Portanto, Godzilla é muito mais do que um monstro destruindo uma cidade. E esta nova produção japonesa deixa evidente o motivo pelo qual Hollywood nunca conseguiu realmente transportá-lo para o cinema ocidental.

Falta o elemento principal que está no cerne do personagem. Nas produções americanas, Godzilla é um mero modelo de monstro gigante, sem camadas mais profundas, porque sua verdadeira origem está relacionada com a destruição causada pelos Estados Unidos no Japão.

Posto isso, "Godzilla Minus One" é um dos melhores filmes do ano, que foge dos clichês das adaptações hollywoodianas e mostra que o gênero pode ir muito além de uma trama comum, resgatando assim a essência da obra original de forma notável.

Nota: 9

"Godzilla Minus One" estreia quinta-feira, 14 de dezembro nos cinemas.