Assassino por Acaso | Crítica

 


    Um dos grandes trunfos de um filme baseado em fatos reais é potencializar uma história pouco conhecida ou elevar uma história amplamente conhecida, aproveitando-se do fato de ser um evento real. No entanto, o novo longa protagonizado e roteirizado por Glen Powell se destaca não apenas por ser baseado em fatos reais, mas principalmente por ser um excelente filme de comédia e ação que o cinema precisava.


    Em "Assassino por Acaso", título característico de filmes dos anos 80/90, acompanhamos a história de Gary Johnson, um professor que leva uma vida normal e trabalha para a polícia. Um dia, ele precisa fingir ser um assassino de aluguel para prender aqueles que o contratam, utilizando inúmeros disfarces e personalidades. Tudo vai bem até que ele se sente atraído por uma criminosa em potencial, Madison (Adria Arjona), que quer contratá-lo para assassinar seu marido. Enquanto ela se apaixona por um dos disfarces de Gary, o caso entre eles esquenta, desencadeando uma série de consequências cada vez mais arriscadas.

    O sociólogo Erving Goffman, em sua obra "A Representação do Eu na Vida Cotidiana", explica que nós, como seres sociais, "representamos" papéis de acordo com o ambiente em que nos encontramos. Afinal, não devemos ter as mesmas atitudes na nossa vida particular e no ambiente de trabalho; por isso, assumimos diversos papéis no cotidiano. É com essa premissa que o diretor e roteirista Richard Linklater (trilogia "Antes") desenvolve sua história em uma trama ágil e bem construída.


Linklater aproveita a formação de Gary Johnson (Powell) como professor de psicologia e filosofia para explicar suas mudanças de personalidade ao longo do filme. Gary precisa substituir um policial que finge ser um assassino para prender pessoas que buscam esse tipo de serviço. Nesse processo, Gary "assume" várias personalidades e, aos poucos, incorpora uma delas: a de Ron. Tudo se justifica com um roteiro bem amarrado.


Durante suas aulas na universidade, Gary explica, através da filosofia de Nietzsche, como precisamos viver perigosamente para sair da nossa zona de conforto. Além disso, ele aborda conceitos de personalidade e consciência, enriquecendo a narrativa com essas reflexões. Powell interpreta o típico nerd, que se dedica completamente ao que faz, procurando aperfeiçoar o método do trabalho para o qual foi designado. Mas tudo muda quando Gary conhece a nova cliente, Madison.


 Ao entrar em contato com Ron, uma das identidades criadas pelo personagem de Powell, Madison explica o motivo para querer contratar seus serviços. Presa em um relacionamento abusivo, a jovem decide tomar uma atitude drástica: matar o marido. Tudo muda quando Ron, com pena dela, a convence a desistir do plano e seguir seu caminho. Em uma atitude pouco profissional, ele deixa a porta aberta para um eventual contato, e é nesse ponto que tudo muda na vida dos dois, principalmente na do falso assassino profissional, que aos poucos começa a incorporar certas atitudes do personagem criado, deixando de lado Gary Johnson e revelando Ron.


Linklater é um diretor e roteirista experiente quando o assunto envolve romance e comédia. Diretor de filmes como "Antes do Amanhecer" e "Escola de Rock", ele consegue equilibrar muito bem o humor e o romance, mantendo a narrativa do filme em um bom ritmo sem exagerar no romantismo ou no humor escrachado.

 Glen Powell está em sua melhor fase e aproveita ao máximo os bons papéis para os quais está sendo escalado. O ator consegue convencer como um nerd tímido e sem carisma, ao mesmo tempo que assume o papel de um assassino frio e profissional. Isso remete à análise de Goffman, segundo a qual realizamos interpretações dependendo do palco e do que queremos passar para nossos observadores. Powell, em uma de suas representações de assassino, ainda consegue introduzir uma ótima referência ao clássico filme “Psicopata Americano”, que deixo para que você, leitor, descubra ao assistir ao filme. Mas Powell não conseguiria nada em tela sem a atriz Adria Arjona (Andor). Arjona também precisa mudar sua personalidade, passando de esposa subjugada para a típica femme fatale dos filmes Noir (a trama abraça um pouco do gênero). A atriz assume esse papel muito bem, principalmente pela química com Powell.



O filme, como mencionado, utiliza um fato real para desenvolver uma trama fictícia, mas vou ignorar esse ponto na crítica, pelo simples motivo que já foi mencionado. O maior crédito de "Assassino por Acaso" é que ele ovaciona sua trama fílmica e não o fato real, como a grande maioria dos longas. Fato esse constatado ao final do filme.

 Se você gosta de um bom filme, com todos os elementos apresentados nesta crítica, recomendo que vá ao cinema assistir "Assassino por Acaso", que estreia hoje nos cinemas do país.

 

Nota: 8/10