A Substância | Crítica com Spoiler

 

    A juventude e a beleza andam de mãos dadas pelo menos desde o século XIX. Essa relação é provavelmente muito mais antiga, mas, quando pensamos nesses dois atributos, é impossível não associá-los ao escritor e poeta irlandês Oscar Wilde e seu romance O Retrato de Dorian Gray. Na obra, o jovem Dorian expressa o desejo de que sua beleza nunca desvaneça, enquanto o retrato envelhece em seu lugar. O que Dorian não sabe é que esse fardo de envelhecer, imposto sobretudo às mulheres, não afeta os homens da mesma forma, já que a sociedade não lhes atribui um "prazo de validade". Esse é o tema que a diretora Coralie Fargeat (Vingança) explora em seu novo longa, A Substância, elogiado em Cannes e com estreia marcada para 19 de setembro nos cinemas brasileiros.

    Coralie Fargeat não inova em sua narrativa, que referencia e se inspira em filmes como A Mosca, Carrie, a Estranha, Demônio de Neon e, claro, O Retrato de Dorian Gray. Contudo, isso não desmerece seu trabalho, pois a diretora consegue amarrar essas e outras influências para compor um roteiro sólido, entregando uma história envolvente e, possivelmente, o melhor filme de terror de 2024.

    A trama acompanha Elisabeth Sparkle (Demi Moore), uma celebridade em decadência que decide usar uma substância misteriosa do mercado negro. Esse composto milagroso replica células e cria temporariamente uma versão mais jovem e "melhor" de si mesma. Assim surge Sue (Margaret Qualley), cujo aparecimento desencadeia uma série de eventos bizarros.

    O diretor de fotografia, Benjamin Kracun, utiliza de forma excepcional as cores amarelo, vermelho e branco, criando cenários minimalistas que destacam as tonalidades, como se elas fossem protagonistas ao lado dos atores. Essa composição remete ao trabalho de Natasha Braier em Demônio de Neon, com cores vibrantes dominando o cenário. Esses ambientes monocromáticos são fundamentais para a narrativa visual. Um exemplo é o local onde Elisabeth recebe os suplementos para preservar seus dois corpos. Por fora, o prédio está numa rua decadente; por dentro, o espaço é completamente branco, refletindo o que está ao redor e contrastando com o exterior. Outro exemplo é o corredor vermelho do prédio onde Elisabeth trabalha, com um tapete que remete ao glamour de uma estrela de Hollywood, simbolizando seu "hall da fama".

    Elisabeth Sparkle foi uma atriz de sucesso, com uma estrela na calçada da fama, que, como ela, envelheceu e rachou com o tempo. No entanto, continua sendo uma estrela de Hollywood. Diferente de seus colegas masculinos, sua carreira tem um prazo de validade. O longa parte de seu quinquagésimo aniversário, data que coincide com sua demissão. Na indústria do entretenimento, a idade é um obstáculo para as mulheres, o que leva Elisabeth a ser descartada. Após sofrer um acidente de carro, ela descobre "A Substância", um procedimento que promete rejuvenescer seu corpo e reabrir as portas do estrelato.

Todo o processo é realizado de forma anônima, e Elisabeth não sabe com quem está lidando nem quem está por trás do produto. Ela se torna apenas um número para a empresa, o "503", e recebe instruções rigorosas. As regras são simples: o soro só pode ser administrado uma vez, e, a partir daí, seu corpo dará vida a uma versão mais jovem. Apenas uma versão pode existir por vez, e cada uma só pode viver por uma semana. As regras devem ser seguidas à risca, pois o que uma faz, a outra sente.

    A versão mais jovem de Elisabeth é Sue. Nas convenções da cultura pop, "Mary Sue" é a personagem perfeita, amada por todos ao seu redor. Sue, no entanto, é objetificada: tem um corpo escultural, a fantasia idealizada por homens que reduzem mulheres a objetos de desejo. Diferente da "Mary Sue", que resolve seus problemas com facilidade, Sue não consegue lidar com suas dificuldades. Sue simboliza a "plástica" de Elisabeth – um corpo jovem, mas com a mente e as inseguranças de uma mulher mais velha. Quando as regras são quebradas, as consequências logo aparecem.

    Em um momento, Sue não retorna a tempo para realizar a troca, e, quando Elisabeth acorda, percebe algo estranho em sua mão: está envelhecida, com aspecto de podridão. Dizem que as mãos são a única parte do corpo que a cirurgia plástica não consegue rejuvenescer, e é por elas que o "castigo" começa ao desobedecer as regras.

    Coralie Fargeat reaquece as críticas sociais em seu roteiro, mas a apresentação é tão bem feita que torna a narrativa original e não repetitiva. O personagem de Denis Quaid, por exemplo, lembra, de forma sutil, o executivo interpretado por Will Ferrell em Barbie. A objetificação de Sue também já foi abordada em outros filmes, mas o modo como Fargeat desenvolve sua trama surpreende, fazendo o público consumir sua crítica como se fosse inédita. Essa habilidade se estende às suas referências. No caso de O Retrato de Dorian Gray, em vez do quadro envelhecer, é a própria Elisabeth que sofre os efeitos do tempo para que Sue possa desfrutar da juventude e beleza.

    A Substância traz uma das melhores atuações de Demi Moore em anos e provavelmente entrará no hall dos grandes filmes de horror corporal. Vale o aviso: o longa não é para todos os públicos, mas, se você é fã desse tipo de filme, marque na agenda – A Substância estreia nos cinemas no dia 19 de setembro. Não perca a oportunidade de assisti-lo!

Nota:09/10