Da Locadora ao Streaming: Quando as Fronteiras Entre Cinema e Plataformas Digitais se Apagam

    As locadoras foram um fenômeno indiscutível e seu surgimento impulsionou outro: a produção de filmes para home vídeo. Além de títulos feitos especialmente para esse formato, muitos sucessos de bilheteria ganharam continuações lançadas diretamente nas locadoras, aproveitando o êxito de filmes populares nos cinemas.

    Diferente das produções cinematográficas, os filmes lançados diretamente em vídeo tinham uma característica marcante: um orçamento bem menor. Por exemplo, Riquinho, estrelado por Macaulay Culkin, custou 40 milhões de dólares, enquanto sua sequência, lançada direto para vídeo, teve um orçamento de apenas 6 milhões. No gênero de ação, Darkman, que custou 14 milhões de dólares, teve sua continuação produzida para o mercado doméstico com apenas 4 milhões

    Esses filmes para locadoras também eram caracterizados por efeitos especiais mais modestos e elencos, muitas vezes, desconhecidos, o que reduzia significativamente os custos. A diferença de qualidade era evidente, tornando fácil distinguir essas produções dos filmes lançados no cinema.

    Com o advento do streaming, essa lógica se transformou. Grandes astros começaram a protagonizar produções para plataformas como Netflix e Amazon. Com um elenco estrelado, o orçamento também se ampliou. Adam Sandler, por exemplo, estrelou várias produções para a Netflix. The Ridiculous 6, uma comédia no Velho Oeste, teve um orçamento de 60 milhões de dólares, enquanto Joias Brutas, um filme aclamado, custou mais modestos 19 milhões. Por outro lado, a ficção científica Rebel Moon, de Zack Snyder, teve um orçamento impressionante de 166 milhões de dólares apenas para a primeira parte.

    Na era do streaming, a lógica de filmes de baixo custo para o mercado doméstico praticamente se extinguiu, pois as plataformas precisam oferecer produções exclusivas para competir. A Netflix, por exemplo, busca rivalizar com estúdios que lançam produções de cinema diretamente em seus catálogos, como Disney+, Max e Paramount+. Esse modelo impulsiona a plataforma a alimentar continuamente sua biblioteca com grandes produções. Outro fator que contribuiu para essa transformação foi a pandemia.

    Embora muitos atribuam à pandemia o hábito de assistir a filmes em casa, essa mudança já vinha ocorrendo gradualmente, e a COVID-19 apenas acelerou o processo. Mesmo antes da pandemia, a Netflix já lançava grandes produções, como Beasts of No Nation, de 2015, dirigido por Cary Fukunaga e estrelado por Idris Elba, e Bird Box, de 2018, com Sandra Bullock, John Malkovich e Sarah Paulson. Esses lançamentos mostram que a tendência de assistir a filmes em casa já estava em ascensão.

    Outro aspecto crucial é a qualidade das produções e a presença de grandes estrelas. No passado, produções de alto nível só podiam ser assistidas nos cinemas e, depois, em vídeo. Hoje, é possível assistir a filmes com astros como Brad Pitt e George Clooney sem sair de casa. Somado a isso, o alto custo dos ingressos de cinema torna a opção de assistir a grandes produções no conforto do lar ainda mais atraente.

    Agora, o objetivo principal deste artigo: ao assistir ao lançamento da semana, Operação Natal, em diversos momentos parecia que o filme teria melhor desempenho se fosse lançado diretamente em uma plataforma de streaming. Essa ideia surge não porque o streaming deva ser um destino para produções fracassadas nos cinemas, mas pela qualidade do filme, que não se diferencia muito das produções originais de algumas plataformas. Com a competição acirrada entre cinema e streaming, a qualidade dos lançamentos para ambas as mídias agora é comparável, desfazendo a antiga distinção entre filmes “de cinema” e filmes para o mercado doméstico.

  Esse fenômeno cria um problema para o cinema e também para o streaming, que adotou a ambição de lançar produções de alto nível, hollywoodianas, em vez de reservar o espaço para programas de orçamento menor e com a mesma qualidade que outrora era suficiente. Filmes de médio orçamento, que tinham espaço cativo nas salas de cinema, agora se aproximam das produções de streaming, fazendo com que o público muitas vezes os veja como conteúdos de segunda linha.

    No entanto, a transformação do streaming em algo além de uma “locadora digital” e a decisão da Netflix e de outras plataformas de criar conteúdo original impulsionaram o mercado, mas também criaram uma sobreposição com o cinema. Uma alternativa possível seria o retorno ao modelo de produções de qualidade voltadas especificamente para o público doméstico, sem a pretensão de competir diretamente com as grandes produções cinematográficas.