Gladiador II | Crítica: Um Retorno à Grandeza ou Apenas um Eco do Original? com Spoiler.


    Filmes são representações do tempo em que foram produzidos. Assim, mesmo quando retratam épocas históricas distantes ou planetas de galáxias remotas, geralmente refletem mais os eventos sociais e culturais do período em que foram criados do que a realidade de suas próprias narrativas.

    Isso fica claro no lançamento da semana, Gladiador II, que estreia no dia 14 nos cinemas do país. O filme marca o retorno do diretor Ridley Scott, 24 anos após o lançamento do longa original.

    Anos após testemunhar a morte do herói Maximus pelas mãos do próprio tio, Lucius (Paul Mescal) é forçado a entrar na arena do Coliseu depois que sua casa é tomada por imperadores tiranos que agora governam Roma com punho de ferro. Com raiva no coração e o futuro do Império em jogo, Lucius precisará buscar no passado a força e a honra para enfrentar seu destino.

    Infelizmente, o novo filme dirigido por Ridley Scott enfrenta dois problemas significativos. O primeiro são os fãs saudosistas do filme original, protagonizado por Russell Crowe. As comparações entre os longas são inevitáveis, principalmente porque o primeiro filme foi um sucesso absoluto, e a sequência acaba por não atender a essas altas expectativas. No entanto, o problema principal reside no roteiro e na direção, que se apoiam excessivamente no sucesso do primeiro filme.

    Assim como Maximus perde a família no filme original, em Gladiador II, Lucius também vê sua esposa ser morta em combate enquanto tentam resistir a uma invasão romana. Com essa tragédia, ele se torna escravo e, eventualmente, gladiador. A trama dos dois filmes segue caminhos muito parecidos, com algumas mudanças pontuais, mas que não trazem frescor à história.

    As similaridades entre as produções vão além disso, e não há necessidade de enumerá-las aqui; basta dizer que a trama desta continuação é essencialmente uma repetição do primeiro filme. Isso significa que Gladiador II é um filme ruim? De forma alguma. Comparado ao recente Napoleão, fica evidente que Scott continua sendo um bom diretor, embora não tenha conseguido se desprender totalmente do sucesso do original. Napoleão, apesar de não ser um grande filme, oferece cenas de ação mais impactantes do que Gladiador II. Não espere grandes sequências de batalha; talvez a única cena memorável seja a inicial. O filme conta com cinco cenas de ação em suas 2h30, e o maior destaque, sem dúvida, é o vencedor do Oscar Denzel Washington. Interpretando Macrinus, Washington é o que mantém a narrativa interessante e conduz o roteiro até o final. Suas cenas e diálogos são o que torna a experiência no cinema válida. Sem ele, Gladiador II perderia muito do brilho que possui.

Apesar das críticas, o filme se destaca ao captar o espírito de seu tempo. Como mencionado no início, filmes são criações influenciadas pela época em que nascem e refletem mais sobre a sociedade contemporânea do que sobre os temas retratados em suas tramas.

 No entanto, Gladiador II destaca-se ao capturar o espírito de uma época — não da Roma Antiga, mas da nossa. É aqui que o filme ganha relevância social e toca em temas de nostalgia política e histórica, alinhando-se a situações contemporâneas. Como Karl Marx descreve em O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, eventos históricos tendem a se repetir, mas com significados distintos. Para Marx, a primeira tentativa é uma tragédia; a segunda, uma farsa. Ele aplica isso ao sobrinho de Napoleão, Luís Bonaparte, cuja busca por poder era uma cópia menor e distorcida dos feitos do tio.

    Esse conceito de “farsa” ecoa no slogan "Make America Great Again", usado por Donald Trump para prometer um retorno a uma era de suposta grandeza. Trump, assim como outros líderes populistas, recorre a um passado idealizado para conquistar apoio, prometendo uma restauração de valores que, em parte, nunca existiram da forma como são lembrados. Esse tipo de apelo não é exclusivo dos Estados Unidos; também foi visto no Brasil com a eleição de Jair Bolsonaro, que apelava a uma nostalgia pelo regime militar de 1964.

    A conexão com Gladiador II torna-se evidente à medida que a trama se desenvolve. Lucilla (Connie Nielsen), filha do imperador Marco Aurélio, conspira com senadores e o General Marcus Acacius contra os novos imperadores Greta e Caracalla (Joseph Quinn e Fred Hechinger). Ela busca restaurar a grandeza e a justiça da Roma idealizada por seu pai, relembrando os valores de uma Roma idílica. Contudo, esse plano fracassa quando Macrinus descobre a conspiração e adianta seus próprios planos para derrubar os imperadores gêmeos. Lucius, que acredita na Roma gloriosa de seus antepassados, assume para si a responsabilidade de restaurar essa Roma idealizada, evocando o apelo nostálgico de “Make Roma Great Again”.

    Entretanto, Ridley Scott não sugere apoio a ideologias de direita ou saudosismo conservador, mas critica a maneira como o passado idealizado é manipulado por figuras de poder. No filme, Roma é pintada como um modelo glorioso, mas somente para a elite. Macrinus, ex-escravo de Marco Aurélio, busca vingança justamente contra essa ordem, denunciando que essa “Roma gloriosa” era, na verdade, um benefício para poucos.

    Gladiador II não é um fracasso, mas está longe de ser o épico que almejava. Grandes épicos são autossuficientes; não se apoiam em sucessos passados para justificar sua existência. Ainda assim, vale a pena assistir e tirar suas próprias conclusões. Afinal, um bom filme épico é aquele que reflete nossa própria realidade, e nesse ponto Gladiador II certamente cumpre seu papel.

Nota: 6