As Polacas | Crítica



Uma História sobre Memórias Ocultas

     O cinema, ao iluminar histórias pouco conhecidas, revela seu potencial transformador e educacional. Esse é o caso de "As Polacas", filme dirigido por João Jardim, que chega às telonas em 12 de dezembro. Inspirado nas obras “El Infierno Prometido”, de Elsa Drucaroff, e “La Polaca”, de Myrtha Schalom, a trama mergulha em um tema delicado e pouco abordado na história brasileira: o tráfico e a exploração sexual de mulheres judias.

    O filme acompanha a emocionante jornada de Rebeca, interpretada por Valentina Herszage, uma mulher polonesa que foge da guerra, da fome e do antissemitismo, trazendo consigo o filho Yosef. Ao desembarcar no Brasil para reencontrar o marido, descobre sua morte e se vê refém de Tzvi (Caco Ciocler), dono de um bordel envolvido em uma rede de tráfico e prostituição. Valentina Herszage, que também se destacou recentemente em longas sobre ditadura militar "O Mensageiro" e "Ainda Estou Aqui", reafirma sua versatilidade como atriz. Apenas com seu olhar, transmite o sentimento do que ocorre em tela.

    O elenco ainda conta com atuações de Dora Freind, Amaurih Oliveira, Clarice Niskier, Anna Kutner, Ísis Pessino, Letícia Magalhães, Erom Cordeiro e Otávio Muller, que fortalecem a narrativa com performances impactantes.

Uma Denúncia Atemporal

     "As Polacas" transcende o passado ao abordar um tema que ressoa até os dias atuais: a exploração de mulheres. A narrativa destaca a recorrência histórica da opressão e do abuso, adaptando-se às especificidades de cada época, mas mantendo um modus operandi similar. A exploração sexual dessas mulheres, que saíram de uma situação de desespero apenas para encontrar outra forma de opressão, é uma reflexão poderosa sobre as falhas da sociedade.

     João Jardim conduz a trama com respeito à memória dessas mulheres. O uso de planos fechados reflete tanto o enclausuramento das personagens quanto as limitações técnicas para retratar o Rio de Janeiro do passado. Essa escolha intensifica o impacto emocional, embora, em alguns momentos, peque pela falta de planos mais abertos que poderiam ampliar a compreensão de certas cenas. A fotografia escura e o figurino, igualmente carregado de tons sombrios, criam uma atmosfera opressiva que reforça o drama das personagens. Momentos coloridos surgem como lampejos de esperança, marcando reviravoltas cruciais na narrativa

    O filme evita a exploração visual dos corpos femininos, uma decisão acertada que reforça sua mensagem. Mesmo em cenas de violência sexual, a direção opta por focar nas expressões faciais, como o rosto de Rebeca em um plano zenital, intensificando o desconforto do público e evidenciando o drama da personagem. A escolha prioriza a denúncia em vez da exploração.

 



Performances Marcantes

     Valentina Herszage brilha como Rebeca, consolidando-se como um dos grandes talentos de sua geração. Sua capacidade de transmitir emoções apenas com o olhar é impressionante, adicionando camadas à personagem. O antagonista Tzvi, vivido por Caco Ciocler, é igualmente notável. Sua atuação mescla falsidade e manipulação com frieza, gerando no público um ódio visceral.

Micro-história: O Poder das Vozes Esquecidas

 "As Polacas" se insere no campo da micro-história, uma abordagem historiográfica que se distancia dos grandes eventos e figuras emblemáticas para dar protagonismo a indivíduos comuns e suas experiências. Esse ramo é essencial para compreender como fenômenos históricos impactaram vidas cotidianas. A escolha de retratar mulheres anônimas revela o potencial do cinema de dar voz a quem foi silenciado pela história oficial.

A história na tela do cinema.

 As Polacas é um filme que resgata um capítulo pouco explorado da história brasileira com sensibilidade e potência. Sua abordagem é um chamado para refletir sobre as injustiças do passado e as persistentes desigualdades do presente. Não perca a oportunidade de conferir este relato emocionante nas telonas.

Caso você precise de ajuda ou queira denunciar casos de tráfico de pessoas, utilize canais como o Disque Direitos Humanos (Ligue 100) e a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180)

  Nota: 7.