Robert Eggers transforma 'Nosferatu' em um espetáculo sombrio e psicológico, que desafia a tradição ao reinventar o vampiro como um símbolo de medo cultural e existencial.
É essencial compreender o contexto antes de assistir ao Nosferatu do diretor Robert Eggers: trata-se de uma releitura do clássico alemão Nosferatu: Uma Sinfonia de Terror, dirigido por F.W. Murnau. A produção original, uma adaptação não autorizada de Drácula, de Bram Stoker, enfrentou sérios problemas legais. A Prana-Films, produtora do filme, não obteve permissão dos herdeiros do autor para realizar a adaptação, mas decidiu prosseguir com o projeto.
Murnau e o roteirista Henrik Galeen foram contratados, e diversas alterações foram realizadas no enredo, especialmente na ambientação e nos nomes dos personagens. Em vez de Londres, o cenário foi transferido para a fictícia cidade de Wisborg, na Alemanha.
Um ponto interessante é que o nome "Nosferatu" não se refere ao vampiro em si, cujo nome verdadeiro é Orlok. A mudança foi uma tentativa de evitar problemas legais com a família de Stoker. Segundo algumas fontes, "nosferatu" deriva do termo eslavo antigo nosufuraru, oriundo do grego nosophoros, que significa "portador da praga". Em Drácula, a palavra é usada como sinônimo de vampiro. Contudo, a intenção de Murnau no filme de 1922 foi associar o vampiro a um roedor, simbolizando a disseminação de doenças.
Apesar das alterações, os herdeiros de Stoker processaram a produção, conseguindo barrar o filme e ordenar a destruição das cópias. Por sorte, algumas sobreviveram, permitindo que o mundo conhecesse o icônico Nosferatu.
Na nova versão de Eggers, a abordagem é gótica e sombria, explorando a obsessão entre uma jovem mulher e o aterrorizante vampiro que a deseja. O rastro de horror deixado em sua busca é amplificado pela atmosfera carregada e pela conexão mental entre os personagens.
Quem espera encontrar Bill Skarsgård caracterizado como os vampiros das versões de 1922 ou 1979, com aparência pálida, careca e semelhante a um rato, será surpreendido. Eggers opta por inovar, dando ao personagem um imponente bigode, rompendo com a iconografia clássica.
Essa escolha é interessante por dois motivos: primeiro, quebra a expectativa de uma repetição da mesma caracterização de Orlok; segundo, conecta o personagem à figura histórica de Vlad Tepes, inspiração para Drácula, conhecido por seu bigode marcante. Embora possa causar estranhamento nos fãs mais conservadores, a decisão é coerente com a origem do mito.
Para os não familiarizados com o estilo de Eggers, vale um aviso: este não é um filme tradicional de vampiros. O diretor imprime uma atmosfera lovecraftiana, com um terror mais psicológico que explícito. A trama evoca uma teleofobia — o medo do que está por vir —, representando a chegada do "estrangeiro" e o impacto cultural e social provocado por sua presença.
Eggers trabalha brilhantemente com o imaginário, tanto dos personagens quanto do espectador. Ellen (Lily-Rose Depp) é atormentada pela ideia de Orlok, nutrindo um medo profundo apenas de imaginá-lo. A conexão mental que compartilham a leva à beira da loucura, evidenciando como o vampiro exerce controle à distância. Knock (Simon McBurney) abraça a insanidade, cultuando o vampiro e demonstrando afinidade com o misticismo, uma referência direta ao longa de 1922.
No capítulo XVIII de Drácula, Van Helsing afirma: “O Nosferatu não é uma abelha que morre após a picada. Pelo contrário: torna-se mais forte, e com isso aumenta seu poder para crueldades. O vampiro que combatemos tem a força de vinte homens, astúcia que ultrapassa os mortais e usa necromancia...” Eggers captura essa essência, espalhando o terror e a insanidade de forma única entre os personagens.
A fotografia, a cargo de Jarin Blaschke, habitual colaborador de Eggers, reforça o aspecto sombrio da narrativa. As cenas noturnas apresentam tonalidades que remetem ao preto e branco do longa original de 1922. A luz natural de velas ou chamas realça a ambientação gótica, enquanto as cenas diurnas evocam a estética do filme de 1979. A direção de fotografia entrega referências que dialogam diretamente com as versões anteriores.
O elenco é um dos pontos altos, ainda que apresente algumas ressalvas. Lily-Rose Depp entrega uma performance convincente, superando críticas por trabalhos anteriores, como em The Idol. Willem Dafoe mantém seu habitual alto nível, mas sua recorrente escalação para papéis excêntricos, como em Pobres Criaturas e agora em Nosferatu, limita a diversidade de sua filmografia. Aaron Taylor-Johnson e Emma Corrin desempenham papéis de apoio corretos, embora a atriz, mais uma vez, não tenha espaço suficiente para explorar todo seu talento. Os grandes destaques ficam com Bill Skarsgård, cuja voz grave e interpretação intensa dão vida a um Nosferatu distinto, e Nicholas Hoult, que entrega uma atuação marcante como Thomas Hutter.
O Nosferatu de Eggers é um remake que agradará fãs de filmes autorais e consumidores da MUBI, mas que pode ser rejeitado pelo grande público, menos familiarizado com o estilo do diretor. Eggers é preciso ao narrar a trama e incluir elementos simbólicos, como a morte do vampiro por ciganos próxima à hospedagem de Thomas Hutter. A cena aborda o estranhamento do europeu ocidental diante de práticas culturais alheias, destacando um choque de valores e crenças.
O Filme chega aos cinemas nacionais dia 02/01/2025.
Nota: 8/10