A criação de uma continuação para um filme de sucesso é sempre desafiadora, especialmente quando se busca manter a qualidade do original. O desafio se intensifica ainda mais quando há um intervalo significativo entre as produções. Alguns filmes conseguem superar essas barreiras, como foi o caso de Top Gun: Maverick e, anteriormente, Mad Max: Estrada da Fúria. Ambos optaram por criar novas histórias com personagens icônicos, o que não ocorre em O Auto da Compadecida 2, previsto para chegar aos cinemas em 25 de dezembro.
Após 20 anos desaparecido, João Grilo retorna à pequena Taperoá para reencontrar seu antigo parceiro, Chicó. Agora, ele é recebido como uma verdadeira celebridade, pois a lenda diz que foi morto por um tiro de espingarda e ressuscitou após um julgamento celestial com o Diabo como acusador, Nossa Senhora como defensora e Jesus Cristo como juiz. Aproveitando a fama, João Grilo é disputado como cabo eleitoral pelos dois políticos mais influentes da cidade. Ele arquiteta um novo golpe, buscando riqueza e tranquilidade – algo improvável, dado seu temperamento. Contudo, como esperado, nada sai conforme o planejado, e João precisará recorrer novamente à Compadecida para se safar.
Flávia Lacerda e Guel Arraes enfrentaram um enorme desafio ao decidir dar continuidade à obra de Ariano Suassuna. O primeiro obstáculo era garantir a qualidade do novo filme. O segundo, talvez ainda maior, era criar uma trama original, já que o livro de Suassuna não possui uma continuação. Guel Arraes e João Falcão, responsáveis pelo roteiro, optaram por uma abordagem mais segura, recontando a história do primeiro filme com algumas alterações. O resultado é que O Auto da Compadecida 2 se assemelha mais a um remake do que a uma sequência propriamente dita.
A nova produção praticamente refaz a narrativa do original com pequenas variações: João Grilo continua enganando um grupo de pessoas; Chicó se apaixona novamente por uma filha de coronel; e, no desfecho, até o mesmo assassino retorna para matar João Grilo outra vez, levando-o de volta ao tribunal celestial com o Diabo, Jesus e Nossa Senhora. Infelizmente, ao contrário de filmes como Os Caça-Fantasmas e Esqueceram de Mim, que souberam trazer frescor às suas histórias, o novo Auto da Compadecida não consegue manter o mesmo nível de diversão.
Outro problema enfrentado pelo longa é sua redublagem. Não sei se o ocorrido se restringe à minha sessão, mas a personagem interpretada por Fabíula Nascimento apresenta um claro descompasso entre a voz e as expressões em cena. Isso sugere que a produção passou por um processo de dublagem na pós-produção – algo comum no cinema –, mas com resultados insatisfatórios. O problema é evidente, a ponto de prejudicar a imersão em momentos específicos, como já aconteceu em filmes como Tudo por um Popstar 2.
Há ainda o debate sobre a possibilidade de o filme ser expandido para uma série na Globoplay. Caso isso se confirme, o formato espelharia o caminho do longa original, que começou como minissérie na Globo antes de ser adaptado para o cinema. Contudo, existe o risco de que a narrativa se dilua em vez de ser enriquecida, prejudicando a experiência do público.
Apesar das críticas, há pontos positivos. O principal deles é a introdução de Arlindo, personagem interpretado por Eduardo Sterblitch. Arlindo, dono de uma loja e de uma rádio na cidade, aspira a se tornar prefeito e usa os meios de comunicação para manipular a população local. Sterblitch entrega uma performance excelente e carrega críticas sociais relevantes, evidenciando o uso do rádio como uma arma poderosa do capitalismo e do consumismo exagerado. Esses aspectos poderiam ter sido o fio condutor da nova trama, mas acabam ofuscados por uma narrativa repetitiva e pela escolha de reciclar elementos do primeiro filme.
O Auto da Compadecida 2 tinha potencial para ser um ótimo filme, mas opta pelo caminho da segurança, repetindo a fórmula do original e tornando-se mais um remake do que uma continuação. Caso a versão estendida para a TV seja lançada, há esperança de que personagens como Arlindo ganhem mais destaque, permitindo que a crítica social presente na trama seja melhor explorada.
Nota: 4,5/10