Em 2021, estreava na Netflix um dos maiores sucessos daquele ano: Squid Game, ou Round 6, como ficou popularmente conhecido no Brasil e em outras partes do mundo. A série conquistou o público com sua narrativa tensa e crítica social, garantindo uma segunda temporada, que chegou apenas em 2024.
Três anos após vencer o Jogo da Lula, o jogador 456, Gi-hun (Lee Jung-jae), está determinado a descobrir quem controla a competição e a pôr fim ao esquema cruel. Utilizando a fortuna conquistada na primeira temporada, ele financia sua investigação, mas percebe que enfrentar a organização será mais perigoso do que imaginava. Para acabar com o jogo, será necessário retornar ao campo de batalha.
A segunda temporada aprofunda a crítica social da primeira. Enquanto Gi-hun tenta alertar os novos participantes sobre os perigos do jogo, muitos ignoram seus avisos, movidos pelo desespero e pela promessa de riqueza. Esse contraste entre conhecimento e manipulação reforça uma crítica fundamental: como sistemas de poder, como o capitalismo, utilizam a necessidade como ferramenta de controle.
Mark Fisher, em sua análise sobre o realismo capitalista, aponta como o sistema contemporâneo é capaz de absorver críticas a si mesmo sem que isso o abale estruturalmente. Round 6 espelha esse fenômeno ao mostrar que, mesmo com Gi-hun oferecendo conhecimento sobre o funcionamento do jogo, os participantes preferem arriscar suas vidas em busca de uma promessa ilusória de riqueza. Da mesma forma, muitos espectadores podem ler esta análise e não compreendê-la integralmente, pois o sistema em que estão inseridos já naturalizou as condições de exploração. Assim como os jogadores ignoram o mais sábio, muitos permanecem presos ao ciclo que criticam, perpetuando a lógica do sistema sem perceber.
Essa dinâmica lembra a luta de Marx e Engels na conscientização da classe operária. Se a primeira temporada de Round 6 é comparável ao Manifesto Comunista em sua concepção, a segunda seria sua execução prática: Gi-hun é a voz que explica os mecanismos de exploração, ainda que muitos escolham ignorá-lo. A evolução do jogo reflete a adaptabilidade do capitalismo, que atualiza suas ferramentas — influenciadores digitais, criptomoedas e outras ilusões de ascensão social — para perpetuar o sistema.
A série também toca em um ponto sensível: a democracia como um mecanismo ilusório. Na metáfora de Platão em A República, a escolha do capitão de um navio ilustra como o voto pode ser falho. Os tripulantes disputam o comando com base em interesses pessoais, ignorando a aptidão necessária para liderar. Platão argumenta que, assim como ninguém escolheria um piloto de navio ou médico por votação, não se deveria escolher governantes dessa forma. O conhecimento, e não a maioria, deveria guiar a política.
Em Round 6, essa crítica é visível na dinâmica de votação entre os competidores. Mesmo sabendo que o sistema é manipulado, eles continuam a agir com base em interesses imediatos e individuais. A série sugere que, assim como na vida real, o voto pode ser uma ferramenta manipulada para manter o status quo, desviando a atenção de mudanças estruturais. Apenas uma revolução — como a tentativa de união dos competidores — poderia romper com essa lógica.
A narrativa da segunda temporada também explora questões de identidade e coletividade. A adesão de uma personagem trans à revolução destaca a necessidade de superar divisões identitárias para focar na luta de classes. A série argumenta que as questões de gênero, raça e outras particularidades, embora importantes, tornam-se secundárias diante da luta maior: a emancipação do proletariado.
Embora impactante, a temporada apresenta falhas, como a divisão narrativa e o longo hiato entre as partes. Ainda assim, Round 6 permanece uma obra relevante, que une entretenimento e reflexão. Com a terceira temporada já confirmada, a série promete aprofundar ainda mais essas discussões.
Assista na Netflix e tire suas próprias conclusões.