Existe Cinema Nacional Antes de "Ainda Estou Aqui"?


    Na data de ontem, 23 de janeiro de 2025, foi divulgada a lista dos indicados ao Oscar, e o longa nacional dirigido por Walter Salles, Ainda Estou Aqui, recebeu três nomeações: Melhor Filme em Língua Estrangeira, Melhor Filme e Melhor Atriz. As indicações são mais do que merecidas. Inclusive, poderíamos considerar também a categoria de Melhor Roteiro Adaptado. No entanto, é importante refletir: por que ainda sentimos a necessidade de validação internacional para reconhecer o valor do cinema nacional? Essa mentalidade está profundamente ligada à chamada "síndrome de vira-lata".

    A síndrome de vira-lata é um termo que descreve o sentimento de inferioridade que leva indivíduos ou países a acreditarem que tudo o que vem de fora é melhor. Esse complexo, que faz muitos enxergarem a "grama do vizinho" sempre mais verde, se reflete claramente na recepção do público e da crítica brasileira à indicação do filme de Salles. Para alguns, o reconhecimento do Oscar é quase um selo de qualidade indispensável, como se o cinema brasileiro não pudesse ser valorizado por méritos próprios.

    O cinema nacional já prova, há anos, que tem qualidade e capacidade de sucesso, tanto em bilheteria quanto em narrativas. Um exemplo frequentemente ignorado é o comediante Leandro Hassum, que acumula cerca de R$ 100 milhões em bilheteria com seus últimos quatro filmes. Produções como Candidato Honesto, Até que a Sorte nos Separe e o recente Tudo Bem no Natal que Vem ganharam reconhecimento no Brasil e foram exportados para países como México e Coreia do Sul, que até produziram suas próprias versões dessas histórias. Isso demonstra que o cinema brasileiro tem alcance e relevância muito além de nossas fronteiras.

    No entanto, o destaque dado a Ainda Estou Aqui acabou ofuscando outras obras nacionais lançadas no mesmo período que também merecem reconhecimento. Filmes como Mais Pesado é o Céu e Malu são excelentes exemplos da diversidade e da qualidade do cinema nacional. Além disso, há uma rica história de produções brasileiras que precisam ser redescobertas pelo público, como Cinema, Aspirinas e Urubus, O Homem que Copiava, O Pagador de Promessas, São Paulo, Sociedade Anônima, Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia e muitos outros. Essas obras, muitas vezes limitadas à bolha dos cinéfilos, merecem ser mais amplamente conhecidas e valorizadas.

    Outro ponto que merece destaque é o cinema brasileiro sobre a ditadura militar, um tema que sempre inspirou produções de alta qualidade. No entanto, é curioso observar que, para muitos, parece que apenas Ainda Estou Aqui trouxe à tona as feridas desse período. Essa percepção ignora títulos importantes como Que É Isso, Companheiro?, Cabra Marcado para Morrer, O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, Em Busca de Iara, Batismo de Sangue, Zuzu Angel e Lamarca. Esses filmes, com diferentes perspectivas, tratam do mesmo tema com grande profundidade e merecem igual atenção.

    Entenda: esta crítica não é contra o filme de Walter Salles ou suas indicações ao Oscar. Pelo contrário, é uma reflexão sobre a necessidade de nos desprendermos da validação externa para reconhecer a força e a relevância do cinema brasileiro. Ganhar prêmios é maravilhoso e certamente trará visibilidade, mas de nada adianta conquistar o Oscar se, em pouco tempo, o filme acabar esquecido por um público que ainda rejeita o cinema nacional.

Não podemos esquecer que O Pagador de Promessas ganhou a Palma de Ouro em Cannes, um prêmio considerado por muitos mais prestigiado que o Oscar. Fernanda Torres, protagonista de Ainda Estou Aqui, também venceu uma Palma de Ouro por sua atuação em Eu Sei que Vou Te Amar, mas essas conquistas são frequentemente ignoradas no Brasil. O cinema brasileiro sempre foi capaz de produzir grandes obras, e é fundamental valorizá-las não apenas quando recebem reconhecimento internacional, mas porque são parte de nossa identidade e cultura.

    A verdadeira celebração do cinema nacional deve vir de nós mesmos, por meio de um público disposto a explorar, consumir e debater as produções brasileiras. Ganhar o Oscar será incrível, mas o mais importante é reconhecer e promover o que é nosso, por ser nosso e por ser bom.