Antes de a inteligência artificial se tornar parte do cotidiano, Hollywood já a explorava em roteiros mirabolantes. Agora, com a IA inserida na vida real, a indústria cinematográfica revisita o tema sob novas perspectivas. Nesse contexto, surge Acompanhante Perfeita, que estreia nos cinemas trazendo uma reflexão sobre controle, privacidade e os limites da tecnologia.
Durante um fim de semana em uma casa de campo luxuosa, Iris (Sophie Thatcher) e Josh (Jack Quaid), um casal apaixonado, decidem se afastar do tumulto urbano para relaxar com amigos. No entanto, o que começa como uma escapada romântica logo se transforma em um thriller, à medida que segredos sombrios vêm à tona.
O longa dirigido por Drew Hancock parte da premissa de que, embora a ficção científica frequentemente retrate a emancipação e a tomada de poder das inteligências artificiais, a verdadeira ameaça à humanidade continua sendo o próprio ser humano. As máquinas apenas desempenham as funções para as quais foram programadas, tornando seus controladores os verdadeiros responsáveis pelos riscos.
A trama surpreende ao revelar que Iris, na verdade, é um robô projetado para atender a demandas afetivas e íntimas dos humanos, conhecidos popularmente como FodaBots. Criada para simular relações genuínas, suas memórias são pré-programadas, incluindo seu suposto encontro casual com Josh em um mercado. No entanto, sua existência programada é subvertida quando Josh decide explorar uma vulnerabilidade no sistema: assim como smartphones podem sofrer um jailbreak – procedimento que remove restrições do fabricante –, os FodaBots podem ser hackeados para operar além de seus limites de segurança. Com isso, Josh elabora um plano para reprogramar Iris e usá-la como peça-chave no assassinato de Sergey, um magnata russo, enquanto ele e seus amigos roubam sua fortuna e culpam o robô.
Infelizmente, a grande reviravolta é entregue já no trailer e reiterada logo no início do filme, minando o impacto narrativo. Esse tipo de revelação precoce compromete a construção do suspense, que poderia ter sido mantido até pelo menos a metade da trama. Ainda assim, a história apresenta camadas instigantes. O roteiro revela que os FodaBots são constantemente monitorados, armazenando todas as interações de seus usuários. Assim, Josh ignora um detalhe crucial: os registros da memória de Iris podem expô-lo.
Esse aspecto do filme ressoa fortemente com o mundo real. A coleta de dados pelos FodaBots evoca o controle exercido por grandes corporações tecnológicas, que não apenas coletam informações, mas as utilizam para moldar comportamentos e antecipar decisões. O filme poderia ter aprofundado essa discussão, explorando como o acúmulo de dados não se resume a publicidade direcionada, mas se torna uma ferramenta de manipulação.
Além disso, a narrativa tangencia debates contemporâneos sobre o futuro da IA e seu uso por figuras como Elon Musk. O desenvolvimento de inteligências artificiais voltadas para simular relações humanas levanta questões sobre consentimento, privacidade e os riscos do monopólio tecnológico. Em um mundo onde empresas disputam para tornar seus sistemas indispensáveis, os usuários correm o risco de perder autonomia e se tornarem meros produtos de um ecossistema digital.
Apesar dessas falhas na construção do suspense e da superficialidade em algumas abordagens, Acompanhante Perfeita ainda consegue entreter com momentos bem executados e boas atuações, especialmente de Sophie Thatcher e Lukas Cage. Nota: 7/10.