Expectativa e Realidade: a disputa de Fernanda Torres no Oscar

 

No dia 2 de março, grande parte dos brasileiros estará diante da televisão para acompanhar o Oscar e torcer por Fernanda Torres e pelo filme Ainda Estou Aqui, representantes do Brasil na premiação mais popular do cinema.

Sejamos sinceros: esse fenômeno é inédito no Brasil. Não pelo fato de um brasileiro ser indicado — afinal, Fernanda Montenegro, mãe de Torres, já concorreu ao mesmo prêmio —, mas porque, naquela época, não tínhamos redes sociais e essa capacidade de mobilização em massa que hoje caracteriza os brasileiros na internet.

    Antes de prosseguir, é importante esclarecer um ponto: este texto não é uma crítica a Fernanda Torres nem uma tentativa de desmerecer sua indicação. Pelo contrário, trata-se de um aviso, um alerta. E, como qualquer alerta, ele é dado antes, para que as frustrações não sejam maiores. O objetivo aqui é contextualizar a disputa e preparar os leitores para um possível desfecho que pode não corresponder às expectativas de muitos brasileiros.

    Enquanto a grande maioria está focada em Karla Sofía Gascón, que se envolveu em polêmicas com o público brasileiro nas redes sociais, Fernanda Torres tem duas concorrentes de peso que podem surpreender na disputa pelo prêmio de Melhor Atriz.

As Concorrentes de Peso

    Demi Moore, estrela de A Substância, tem grandes chances de levar a estatueta. Em uma performance considerada a melhor de sua carreira em anos, Moore brilha no papel de Elisabeth Sparkle, uma celebridade decadente que vê sua carreira na TV ameaçada ao ser substituída por uma versão mais jovem de si mesma. Sua atuação é visceral e convincente, tornando-a uma forte candidata ao prêmio. A narrativa de ascensão e queda de sua personagem dialoga com um tema recorrente em Hollywood: a obsolescência das mulheres na indústria cinematográfica à medida que envelhecem.

    No entanto, se Demi Moore ainda aparece no retrovisor de Fernanda Torres e Karla Sofía Gascón, Mikey Madison representa uma ameaça silenciosa na corrida pelo Oscar. Estrela de Anora, Madison entrega uma atuação intensa e multifacetada. O filme acompanha Anora, uma jovem profissional do sexo que trabalha nas noites do Brooklyn e vê a chance de mudar de vida ao se casar impulsivamente com Ivan, filho de um oligarca russo. No entanto, o sonho rapidamente se transforma em pesadelo quando os pais de Ivan chegam a Nova York determinados a impedir o casamento. Com um elenco composto por Mikey Madison, Mark Eydelshteyn e Yura Borisov, Anora combina humor, crítica social e a desconstrução de estereótipos.

    O filme pode ser descrito como uma versão contemporânea e realista de Uma Linda Mulher. Enquanto o clássico estrelado por Julia Roberts romantizava a ideia de ascensão social por meio de um conto de fadas, Anora desmonta essa fantasia ao expor a dura realidade econômica e social. Como bem aponta nosso colega Walter em sua análise: “A grande diferença entre Anora e outras comédias contemporâneas está no subtexto: o filme funciona como uma metáfora para o colapso do sonho estadunidense. Se antes os Estados Unidos eram a terra das oportunidades, onde bastava esforço para prosperar, hoje o que se vê são trabalhadores nativos e imigrantes presos a subempregos, lutando para sobreviver em uma economia que já não os favorece.”

O Crescente Favoritismo de Mikey Madison

    Anora, dirigido por Sean Baker e protagonizado por Mikey Madison, tem seus méritos e merece estar na disputa. No entanto, muitos brasileiros, sejam cinéfilos ou apenas entusiastas do Oscar, podem ter dificuldade em aceitar uma eventual vitória de Madison sobre Fernanda Torres. A situação lembra a polêmica de 1999, quando Gwyneth Paltrow venceu o Oscar de Melhor Atriz contra Fernanda Montenegro, decisão amplamente criticada até hoje. A grande diferença, no entanto, é que Mikey Madison entrega uma atuação amplamente elogiada e não conta com um lobista poderoso como Harvey Weinstein para garantir sua premiação.

    Além disso, Mikey Madison tem ganhado força nas premiações da crítica, acumulando vitórias importantes em festivais e associações de críticos. Seu desempenho em Anora vem sendo comparado ao de atrizes consagradas e, nas últimas semanas, a narrativa de sua possível vitória no Oscar tem se fortalecido. A Academia tem demonstrado uma tendência a premiar atuações que desafiam convenções e trazem um realismo cru para a tela, algo que Madison entrega com maestria.

O Que Esperar da Noite do Oscar

    Diante desse cenário, Fernanda Torres enfrenta uma concorrência feroz. Independentemente do resultado, sua indicação já representa uma enorme conquista para o cinema brasileiro. Além disso, esta edição do Oscar reflete não apenas o talento das indicadas, mas também uma mudança nos temas e narrativas que ganham destaque na premiação, evidenciando uma indústria em transformação. A noite do Oscar promete emoções intensas e reviravoltas, e tudo indica que a disputa será acirrada até o último momento.

    Porém, é importante destacar que Ainda Estou Aqui e a atuação de Fernanda Torres estão acima de qualquer prêmio. O circuito que o filme está percorrendo e o impacto de sua performance já consolidam seu valor artístico e cultural, independentemente do resultado da premiação. A indicação é um reconhecimento, mas o verdadeiro mérito está no legado que a obra e a atriz deixarão para o cinema.