Encurralado (1971)


Em 1968, com apenas 21 anos, Steven Spielberg debutou como cineasta ao lançar seu curta-metragem Amblin’ no Festival de Atlanta, onde até foi premiado na ocasião. O curta percorre outros festivais de cinema e dá alguma notoriedade ao então jovem diretor como uma promessa do audiovisual.

Amblin' viria a batizar a produtora de Spielberg

Esse sucesso inicial chamou a atenção da Universal Studios, com a qual assinou um contrato para capitanear produções televisivas. Assim, esteve a frente de vários episódios de séries e também ganhou a oportunidade para dirigir seu primeiro longa-metragem: “Encurralado”, no original “Duel” (Duelo).

O filme foi exibido pela primeira vez na televisão americana em 13 de novembro de 1971, no seguimento “ABC Movie of the Week”. E, posteriormente, foi lançado em salas de cinema pelo mundo, em uma versão estendida acrescentada com cenas gravadas após sua transmissão original na TV.


No início da trama acompanhamos o personagem David Mann (Dennis Weaver) saindo bem cedo de casa com seu sedã vermelho em um típico subúrbio americano, atravessando o Downtown de sua cidade rumo às estradas da Califórnia para uma viagem de negócios. Enquanto segue em meio à paisagem desértica típica da região, esse homem comum ouve programas bobos na rádio de seu carro.

Durante o percusso, um velho caminhão tanque surge na sua frente. Incomodado pela fumaça exalada e sobretudo pela lentidão do veículo, David realiza uma ultrapassagem típica dessa situação em uma estrada de mão dupla.

Contudo, ele é pego de surpresa ao perceber o mesmo caminhão em altíssima velocidade passando ao seu lado feito uma locomotiva, o deixando para trás. Estranhamente, o longo veículo volta a trafegar com velocidade reduzida e, como um deja vú ao espectador, o carro vermelho realiza uma nova ultrapassagem. Desta vez, acelerando em seguida para se desvencilhar em definitivo desse empecilho.

Mais a frente, David faz uma parada em um posto de gasolina e não demora para o mesmo caminhão emparelhar-se do outro lado das bombas de combustíveis. Apesar de desconfortável, o protagonista dá de ombros para a situação. Pede ao frentista para completar o tanque e vai fazer uma ligação para sua esposa no telefone público.


Seguindo a viagem, o enferrujado caminhão volta a aparecer no espelho retrovisor do sedã. A partir daí não restam mais dúvidas. Não se trata mais de mera brincadeira ou picuinhas de trânsito. David se vê envolvido pessoalmente em um perigoso jogo de gato e rato. O que se segue adiante é puro frenesi.

Davi e Golias

Não sabemos nada do motorista perseguidor, seu rosto é desconhecido. A personificação antagônica recai sobre o opulento caminhão. Spielberg consegue transmitir a sensação daquele veículo se tratar de uma criatura viva, robusta e corpulenta, imbuída de um espírito predatório e opressor.

David é apenas um homem de uma sociedade moderna, tentando racionalizar como um tecnocrata engravatado formado por manuais de administração. Quando na verdade é uma preza sangrando no meio de um deserto prestes a virar carniça. O cenário é insólito.   


O filme até pode ser visto como uma espécie slasher movie, ou mesmo um filme de monstro. Mas, também, é sobre a condição humana numa situação limite, pressionada por uma força de natureza que não é inteligível. O duelo de um pacato cidadão contra aquilo que se opõe aos costumes, à tradição ou qualquer regra civilizatória.

Por tudo isso, “Encurralado” se perpetua como uma grande obra que justifica o status que ganhou ao longo do tempo. Muitos apontam como uma dos melhores filmes feitos para a TV de todos os tempo, bem como uma das melhores estreias de um cineasta. Desde o início Spielberg mostrava que veio para ser um dos maiores nomes de Hollywood.