A nova animação brasileira entrega uma história leve, musical e politicamente afiada — um filme que conversa com crianças e adultos em diferentes camadas.
O Brasil tem investido cada vez mais não apenas em filmes, mas também em animações nacionais. A mais nova aposta é Abá e sua Banda, um longa que não economiza na crítica social. A mensagem é direta, mas o filme acerta ao equilibrar o discurso com a leveza e o encantamento típicos das boas animações — garantindo que a magia continue viva para as crianças.
Abá é um jovem príncipe que sonha em ser músico. Ao fugir do castelo sem ser reconhecido, conhece Ana, uma baterista talentosa, e vê a chance de formar uma banda ao lado de Juca, seu amigo de infância e músico genial. Juntos, embarcam em uma jornada para participar do Festival da Primavera — o maior evento do Reino de Pomar, responsável por renovar a natureza através da polinização.
O festival, no entanto, nunca mais foi o mesmo desde a morte da rainha, que era responsável por cantar e, com sua música, atrair as abelhas. Após sua partida, o rei transferiu o evento para o interior e não nomeou uma substituta para o ritual, provocando um desequilíbrio no ecossistema. As abelhas deixaram de cumprir seu papel essencial, e o reino entrou em colapso. Negligente, o rei Caxi permitiu que Dom Coco assumisse, ainda que indiretamente, o controle da administração.
Dom Coco, membro da família dos cocos, tem um plano sombrio: eliminar a diversidade do Pomar. Para isso, sabota a polinização e passa a produzir cocos em laboratório, impondo uma monocultura que ameaça a existência das demais frutas. A metáfora aqui é clara: o roteiro aborda com firmeza o extermínio de grupos étnicos ou sociais por outros — um paralelo inquietante com situações do mundo real.
Os roteiristas Silvia Fraiha, Sylvio Gonçalves e Daniel Fraiha entregam uma narrativa simples, mas potente. Ainda que não inove na estrutura das animações infantis, o filme se destaca por ser original, informativo e, acima de tudo, provocador. A força de Abá e sua Banda não está na novidade da forma, mas na coragem de dizer que não devemos nos curvar diante das injustiças.
Embora apresente Abá (Filipe Bragança), Juca (Robson Nunes) e Ana (Carol Valença) como três frutas que formam uma banda para tocar no famoso festival, o filme vai muito além de um conto musical ou de um sonho de rockstar. Abá e sua Banda é, na essência, um filme político que usa a música como recurso narrativo — e não o contrário. As canções originais, interpretadas com competência por Bragança, são um dos pontos altos da obra.
A animação aborda temas densos como conservação ambiental, ética científica, apagamento de identidades e resistência social. Tudo isso é apresentado de forma acessível, com uma linguagem que permite aos adultos compreenderem a profundidade da crítica e, ao mesmo tempo, instiga as crianças a pensarem sobre o mundo em que vivem. É um daqueles filmes que geram boas conversas depois da sessão.
Com o reino em crise, as abelhas desaparecendo e a população à deriva, Abá precisa amadurecer. É no encontro com Ana que o príncipe — até então egoísta e alheio à realidade — começa a enxergar além de seus próprios desejos. Vivendo sob as mentiras que Dom Coco vende ao rei e a ele, Abá e o pai deixam o reino à mercê de um usurpador que ameaça toda a diversidade do Pomar. Só ao sair dos muros do castelo e conhecer o interior do reino, Abá percebe que algo está profundamente errado.
O roteiro também brilha nos nomes dos personagens. Abá vem de abacaxi; Juca, de caju; Ana, de banana; e Titikaba (Zezé Motta), uma jaboticaba. São nomes criativos que ajudam a dar identidade à trama. Além disso, há ecos narrativos de Aladdin — seja pelo castelo ou pelo fato de Abá sair escondido para conhecer o mundo real, embora com motivações diferentes das de Jasmine.
Abá e sua Banda é uma excelente pedida para o fim de semana — especialmente neste feriado prolongado no Rio de Janeiro. Um filme para toda a família, com diversão garantida pela qualidade da animação, pelas boas músicas e, claro, pela força do cinema nacional.