O Contador 2 | Crítica com pequenos spoilers

 

Ben Affleck retorna como o anti-herói silencioso em um filme que oscila entre ação, comédia e estereótipos

    Sequências são, muitas vezes, o sonho de produtores e fãs. Elas não apenas sinalizam que o primeiro filme foi um sucesso comercial, como também trazem o desafio de entregar algo à altura — ou melhor. Por isso, o lançamento de O Contador 2, que chega aos cinemas sete anos após o original, causa certo estranhamento. Sem grande alarde ou campanha publicitária relevante, o filme chega discretamente, mas com o elenco principal de volta: Ben Affleck, Jon Bernthal e Cynthia Addai-Robinson retornam para mais uma história que mistura ação e comédia.

    Na trama, Christian Wolff (Affleck) continua sendo o gênio da matemática com habilidades sociais limitadas. Desta vez, ele é convocado a resolver um mistério que surge após o assassinato de um velho conhecido. Antes de morrer, a vítima deixa uma enigmática mensagem: “encontre o contador”. Instigado, Wolff retoma suas atividades e percebe que precisará de ajuda. É aí que entra seu irmão distante, Brax (Bernthal), uma espécie de tanque humano, durão e impiedoso. Ao lado da diretora adjunta do Tesouro Americano, Marybeth Medina (Addai-Robinson), eles se envolvem numa conspiração violenta — e se tornam alvos de uma rede de assassinos dispostos a tudo para manter certos segredos enterrados.

Sete anos depois, sem saber pra onde ir

    O primeiro filme, lançado em 2016, teve um orçamento de 44 milhões de dólares e arrecadou mais de 155 milhões no mundo todo. Apesar das críticas divididas, o resultado comercial foi suficiente para a Warner anunciar uma continuação ainda em 2017, com planos de um terceiro longa — que só deve sair se este atual for bem nas bilheteiras.

    Mas O Contador 2 enfrenta dois obstáculos centrais: o tempo e o tom. O hiato longo apagou o filme da memória do público. A ausência de uma divulgação consistente só reforça essa sensação de desinteresse geral. O novo longa também muda a chave: enquanto o original buscava equilibrar drama, ação e uma trama minimamente intrigante (ainda que com coincidências forçadas), a sequência aposta no humor e em cenas de ação pontuais, como se estivesse mais interessada em entreter do que em construir qualquer tensão.

O espectro da representação

    Entre os elementos mais problemáticos, está a representação do transtorno do espectro autista. Wolff é retratado como uma espécie de “Professor Xavier” de crianças neurodivergentes — mas apenas aquelas que demonstram habilidades extraordinárias. A mensagem, ainda que indireta, é clara: só os autistas geniais importam. Os demais, o filme ignora. Isso perpetua um estereótipo conhecido: ou o autista é um superdotado incompreendido, ou alguém que “dá trabalho demais”. Não há nuance, nem meio-termo.

    Essa visão reducionista empobrece a discussão, esvazia a complexidade da condição e distancia a ficção da realidade da maioria das famílias. Em vez de construir um personagem mais humano, o filme trata o espectro como ferramenta narrativa estilizada — e irresponsável.

Estética de streaming e nostalgia reciclada

    A ação, que deveria ser o ponto alto, aparece com menos frequência do que o esperado. O foco está na dinâmica dos irmãos — quase uma comédia de dupla improvável. A estética lembra produções dos anos 80 e 90 feitas para home video, e o filme parece formatado para o Amazon Prime Video (o que faz sentido, já que é da MGM). O título, inclusive, já não faz tanto sentido dentro da nova proposta.

    Tudo soa como um produto que tenta reviver um sucesso sem entender por que ele funcionou. E isso inclui a glamorização do autismo como diferencial narrativo.

    O Contador 2 talvez agrade quem busca entretenimento simples, com um pouco de ação e alguma comédia, mas decepciona quem esperava evolução — ou, no mínimo, coerência com o que veio antes. É o tipo de sequência que se perde ao tentar se reinventar.

Nota: 5/10